No final de julho, uma gigantesca cratera apareceu nas redondezas da cidade de Tierra Amarilla, na província chilena de Copiapó, no salar do Atacama. A “fenômeno”, que tem um diâmetro de mais de 30 metros, apareceu em uma das regiões mais lucrativas do Chile para a extração de cobre e lítio. Nas proximidades do gigantesco buraco, o complexo de mineração de Candelaria – 80% controlado pela canadense Lundin Mining Corporation com os restantes 20% controlados pela japonesa Sumitomo Metal Mining Co Ltd e Sumitomo Corporation –, teve de suspender suas operações na área. No dia 1 de agosto, o Serviço Nacional de Mineração e Geologia do Chile (Sernageomin) declarou que um time tinha sido montado para investigar a cratera, que apareceu a menos de 60 metros de uma casa. O prefeito de Tierra Amarilla, Cristóbal Zúñiga, questionou a razão pela qual a terra tinha cedido nas proximidades da mina de Alcaparrosa, e se a aparição do buraco tinha algo a ver com as operações de mineração. “Hoje isso ocorreu em um terreno agrícola”, disse o prefeito à rádio Ciudadano ADN, “mas nosso maior medo é que isso possa acontecer em uma região populada, em uma rua, uma escola, e proteger a integridade física dos nossos habitantes é nossa maior preocupação no momento”.

Funcionários do governo viajaram a Tierra Amarilla para investigar a cratera. No dia 12 de agosto, a ministra da Mineração, Marcela Hernando, visitou a mina de Alcaparrosa com o prefeito Zúñiga e outros oficiais. Antes da visita, Zúñiga fez um apelo para que as autoridades aplicassem “sanções máximas” para punir os responsáveis pelo buraco, que parece ter sido causado por atividades de mineração subterrânea realizadas pelo complexo mineiro de Candelaria. A agência governamental responsável pela investigação – o Sernageomin – suspendeu toda a atividade mineira na área e prossegue com sua avaliação forense para averiguar as razões por trás do desmoronamento de terra perto do complexo de mineração.

Mineração em moratória

“Nós não deveríamos estar falando sobre nenhum tipo de extração no salar do Atacama”, nos disse Ramón Morales Balcázar alguns dias após a descoberta da cratera. Ele é o fundador da Fundación Tantí, uma ONG localizada em San Pedro de Atacama que se dedica à promoção da agroecologia e da sustentabilidade socioambiental. “O salar do Atacama está exaurido, [e foi] profundamente impactado pela mineração de cobre e lítio e pelo turismo. Nós deveríamos estar trabalhando para restaurar o ecossistema daqui”, diz ele. A palavra “exaurido” é também o título de um recente relatório co-escrito por Morales Balcázar, que pinta um retrato arrepiante do esgotamento das águas subterrâneas resultante da extração do lítio. “A extração de lítio, a mais nova indústria da região [do salar do Atacama], é agora mais uma forma de esgotar os escassos recursos hídricos”, afirma o relatório.

Morales Balcázar faz parte de uma equipe de pesquisadores conhecida como Observatório Plurinacional de Salares Andinos (OPSAL). Esses acadêmicos estão envolvidos em pesquisas refinadas sobre o que eles veem como o ecocídio do salar, que se estende por toda a Argentina, Bolívia e Chile. Um livro escrito por essa equipe em 2021 – Salares Andinos: Uma ecologia do conhecimento para a proteção de nossos salares e zonas úmidas – oferece uma avaliação detalhada do que chamam de “extrativismo verde” e “crescimento verde”. O extrativismo se refere à extração de recursos naturais da terra para obter benefícios, sem nenhuma consideração pelos territórios ou pelas pessoas que vivem nas zonas de extração. “Extração e extrativismo não são a mesma coisa”, pontua Morales Balcázar. A primeira é a mera extração de recursos naturais, que pode ser feita de forma sustentável, sem danos à terra, e cujas rendas deveriam assegurar o bem-estar social das pessoas que vivem na região das minas.

“Nós temos mantido conversas com instituições indígenas e sindicatos para imaginar diferentes formas de extração”, nos diz Balcázar. Quando trabalhadores da Albemarle, uma mineradora estadunidense, declararam greve em 2021, Morales Balcázar e outros colegas dialogaram com eles sobre a possibilidade de pensar em novos tipos de técnicas de extração, embora “realmente não seja algo que possamos ver em um futuro próximo”, segundo o pesquisador. Uma das razões para que os mineiros da Albemarle e as instituições indígenas (como o Conselho dos Povos do Atacama) não encontrem nenhuma alternativa é que, mesmo que recebam pequenas rendas da riqueza mineira, isso é considerado uma opção melhor do que enfrentar o desemprego.

A alternativa boliviana

Ao norte do Chile, na Bolívia, o conceito de “nacionalismo de recursos” tem marcado o debate em torno da extração de lítio no país. Em 1992, o governo do então presidente boliviano Jaime Paz Zamora assinou um acordo com a empresa norte-americana Lithium Corporation of America, hoje FMC Corporation, que “permitia que a empresa pegasse o máximo de lítio possível, dando à Bolívia apenas oito por cento dos lucros. Muitos bolivianos ficaram indignados com o acordo”, de acordo com um artigo de 2010 da revista The New Yorker. Isso levou a uma série de protestos do Comitê Cívico de Potosí, que, por fim, enterraram o contrato.

Quando Evo Morales assumiu a presidência da Bolívia, em 2006, o resíduo dessa batalha deu forma a seu enfoque de “nacionalismo de recursos” em relação ao lítio e outros minerais. “Prometeu ‘industrializar com dignidade e soberania’, prometendo que o lítio bruto não seria explorado por corporações estrangeiras, mas sim processado por entidades controladas pelo Estado boliviano e transformado em baterias”, como destacou um artigo de 2018 da Bloomberg. Em 2007, a Bolívia desenvolveu uma política de industrialização do lítio. A Corporação Mineira da Bolívia (Comibol), segundo soubemos de então funcionários da empresa, encorajou os cientistas bolivianos a desenvolver e patentear métodos tradicionais de extração evaporativa (embora este método tenha tido dificuldades devido aos altos níveis de magnésio encontrados no lítio boliviano). O governo de Morales investiu fortemente no plano de industrialização do lítio, o que levou a Bolívia a desenvolver suas próprias baterias (incluindo a produção de cátodos) e a desenvolver seu próprio carro elétrico através da empresa estatal Quantum Motors. Para controlar e gerir a produção do lítio, o governo boliviano criou em 2017 uma empresa chamada Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB).

“Estávamos avançando muito”, nos disse Morales. “Até o golpe de Estado de 2019 e, depois, a pandemia”. O golpe levou à sua destituição. “Golpearemos quem quisermos”, escreveu à época Elon Musk, cuja empresa, a Tesla, depende do lítio para suas baterias e carros elétricos. Tal é a ira contra as possibilidades do “nacionalismo de recursos”.

Os acontecimentos na Bolívia mostram que novas formas de extração estão sendo exploradas, embora não sejam perfeitas. Os desafios ambientais no Salar de Uyuni, o maior salar do mundo, e as queixas dos habitantes da região, seguem definindo a extração do lítio no país. No entanto, a política de industrialização do lítio e o grande cuidado que o país tem pelo que os bolivianos chamam “Pachamama” – a Terra – durante o processo de extração oferecem algumas diferenças com o trabalho de extração realizado por grandes mineradoras canadenses e estadunidenses. No Chile, Lester Calderón, dirigente sindical na cidade de Antofagasta que concorreu a governador nas eleições de 2021, escreveu um artigo, em janeiro de 2022, no qual defendia que as comunidades indígenas devem decidir a forma de utilizar o lítio e que os recursos (incluindo a água) do Chile devem ser nacionalizados. Esses elementos existem na Bolívia e, ainda sim, há desafios adiante para o povo boliviano.

O atual presidente da Bolívia, Luis Alberto Arce Catacora, espera renovar a política de industrialização do lítio impulsionada pelo Estado, mas não encontra os recursos internos para fazê-lo. Por isso, seu governo embarcou em um processo de captação de investimentos do exterior (atualmente, seis empresas da China, Rússia e Estados Unidos seguem competindo para vencer a licitação).

O centro da luta na Bolívia é Potosí, onde os espanhóis, que governaram a região, cavaram a terra por séculos para extrair a prata que exportavam para a Europa. “Fomos o centro da exploração [da prata] mas ficamos à margem da tomada de decisões do país”, disse à Reuters o funcionário do governo de Potosí, Juan Téllez. “Isso é o que estamos tentando evitar agora com o lítio”. Os moradores de Potosí, como os de Tierra Amarilla, no Chile, querem imaginar um tipo de extração diferente: uma que esteja controlada por aqueles que vivem das fontes do metal e que não destrua a terra, abrindo crateras sem sentido.


 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui