Foto: Diego Ibarra Sanchez
Foto: Diego Ibarra Sanchez

Sanções ocidentais não aderidas pela maioria dos países do mundo, aumento de interesse pela adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e elevação de preços de insumos nos países latino-americanos. Após 150 dias de conflito entre Ucrânia e Rússia, completados neste domingo (24/07), a socióloga especializada em integração da América Latina, Rita Coitinho, analisa as principais consequências da guerra para o continente.

Coitinho lembra que a América Latina tem uma economia “excessivamente dependente dos preços internacionais dado seu caráter primário-exportador”. Assim, a região sofre “rapidamente” os impactos de quaisquer crises internacionais.

relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) sobre as repercussões da guerra na Ucrânia para a América Latina mostra isso: a região enfrenta desaceleração econômica, inflação e lenta e incompleta recuperação no mercado de trabalho, o que consequentemente pode aumentar os níveis de pobreza nos países da região.

O período da guerra na Ucrânia, no entanto, é “curto” para afirmar que é o motivo central do aumento da pobreza na região, como lembra a especialista. Mas ela afirma que o conflito favorece um processo inflacionário que contribui, por sua vez, para o aumento dessas estatísticas.

“No caso específico deste conflito, tendo em vista a importância da Rússia no mercado de combustíveis fósseis, a alta do preço do petróleo impactou diretamente a América Latina, especialmente países como o Brasil, que mantém os preços dos combustíveis atrelados ao dólar”, afirma a socióloga.

Além da crise energética, a especialista menciona a falta de fertilizantes, produzidos principalmente na Rússia e na Ucrânia, como um fator que afeta a produção agrícola latino-americana, o que, segundo ela, contribuiria para a crise alimentar, propagação da fome e aumento da pobreza.

“Ainda podemos mencionar o trigo, que é produzido na Argentina, mas que muitos países da América Latina, como o Brasil, importam do leste europeu”, completa, afirmando que a alta de preço deste insumo “tem efeitos inflacionários importantes”.

De acordo com o relatório da CEPAL, o aumento nos preços dos alimentos juntamente com os outros fatores, levarão mais de 7 milhões de pessoas a juntar-se aos outros 86 milhões de latino-americanos que têm sua segurança alimentar em risco.

No entanto, para a Coitinho, a região tem condições de enfrentar esses impactos. Políticas de maior regionalização, como trocas internas e utilização dos insumos presentes nos países do continente são as principais alternativas.

Ademais, a socióloga afirma que países possuidores de reservas energéticas, como é o caso do Brasil, devem regular os preços dos combustíveis e desatrelá-los do mercado internacional. Outra solução dada por Coitinho é que países com grandes reservas de petróleo e/ou gás natural como Venezuela, Bolívia e México, liderem um processo de cooperação energética na região.

“Um investimento em políticas de regionalização das economias latino-americanas poderia ter efeitos muito positivos num prazo não muito longo, dado que já existem mecanismos de cooperação herdados de iniciativas passadas”, afirma Coitinho, em relação à produção de grãos e alimentos no continente.

Para além das possibilidades internas, a socióloga diz que a América Latina tem condições de diversificar cada vez mais seus parceiros internacionais, ampliando sua cooperação com a Ásia e a África. Porém, ressalta que tais decisões “estão nas mãos dos governos latino-americanos”.

Conflito no leste europeu

Segundo a socióloga, no início do conflito “duas análises conflitantes apareceram”.  De um lado, a mídia a serviço de interesses norte-americanos “deu como certo o isolamento da Rússia a partir do estabelecimento de sanções”. De outro, “análises sobre uma virada geopolítica, na qual o eixo Moscou-Pequim passaria à condição de maior influência no ordenamento internacional”, explicou.

Após cinco meses de guerra, a especialista avalia que dois fatores não seguem como o esperado. O primeiro está relacionado à duração do conflito, e o segundo, tem relação às sanções ocidentais aplicadas contra a economia russa.

“O que se verificou até aqui é que o conflito está se estendendo por mais tempo do que a maioria das análises parecia prever. Além disso, as sanções econômicas não tiveram os efeitos devastadores sobre a economia russa como esperavam as potências do Ocidente”, afirmou Coitinho.

Para ela, no lugar de atingir as estruturas econômicas russas, os diversos pacotes de retaliação vindos de países como os Estados Unidos, a Inglaterra e o bloco da União Europeia – que na última quinta-feira (21/07) aprovou a sétima rodada de medidas retaliativas – criaram uma “oportunidade de incremento de mecanismos que ainda eram incipientes, como trocas comerciais fora do sistema hegemonizado pela moeda dos EUA, o dólar”.

A socióloga ainda analisa que “apesar de não concluído”, a mudança do eixo geopolítico mundial para o leste tem se confirmado com a maior parte do mundo não aderindo às sanções impostas pelos países ocidentais.

Apesar disso, menciona que o conflito “revelou a dimensão da presença da OTAN nos países no entorno da Rússia”, de forma que a aliança “cresceu em adesão” – exemplo disso são os pedidos dos governos da Suécia e Finlândia para ingressar no bloco militar, abandonado com isso seus históricos de neutralidade militar.

“Antes do conflito havia questionamentos quanto à necessidade de continuidade do bloco, que vinha perdendo importância dentro da Europa e até para os Estados Unidos sob a administração de Trump”, completa Coitinho. Vale lembrar que a OTAN surge dentro do contexto de Guerra Fria como uma força militar do bloco capitalista.

A especialista conclui afirmando que outro balanço “interessante” da guerra é a questão dos refugiados. “Se no início do conflito a propaganda ocidental anti-russa trouxe boa vontade das populações europeias em relação aos refugiados ucranianos, agora que a situação ameaça se prolongar, vem mudando drasticamente a postura dos europeus em relação a esses refugiados, que já são alvo de xenofobia e, como se observou desde o início da guerra, também de tráfico de mulheres e crianças.”


 

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