A Colômbia realizará eleições presidenciais no próximo domingo (29) e, em meio a uma complexa disputa eleitoral na qual o candidato progressista Gustavo Petro (Pacto Histórico) está liderando as pesquisas, o clima segue agitado. Foi marcante quando, em 2 de maio, ele foi obrigado a suspender suas atividades de campanha devido a ameaças de morte.
“É lamentável que tenha tido que suspender a minha turnê no Eixo cafeeiro. A iniciativa dos setores de corrupção de pagar quadrilhas de assassinos para me eliminar fisicamente mostra o desespero político a que chegaram”, denunciou o candidato em suas redes sociais sobre um suposto plano do grupo paramilitar La Cordillera identificado por sua equipe de segurança. Esse possível ataque ameaçou sua turnê pelo noroeste do país, uma região onde La Cordillera controla o negócio do tráfico de drogas e é responsável por várias intimidações.
Para muitos analistas, o medo por parte de sua equipe de segurança não é um incidente isolado. Por um lado, porque as ameaças ao candidato são reais, os comunicados existem e, por outro lado, devido à história de assassinatos de candidatos presidenciais no país cafeeiro, pelo menos cinco nas últimas quatro décadas.
Se Petro e sua companheira na corrida, Francia Márquez, que também recebeu ameaças de morte, chegassem à Casa de Nariño (Palácio do Governo), seria a primeira vez que um partido progressista assumiria o comando do Estado. A memória mais simbólica é a de Jorge Eliécer Gaitán, que deveria ser um candidato forte para vencer as eleições de 1949, mas cuja participação foi cortada depois de ter sido assassinado em 9 de abril de 1948.
Por esta razão, o governo colombiano foi forçado a mobilizar todo um esquema de segurança do tipo G, envolvendo um número indeterminado de policiais e agentes especiais, além de veículos blindados, polícia de motocicletas, cães detectores de explosivos, ambulância e até franco-atiradores para guardar a segurança do candidato durante o restante de sua campanha eleitoral.
O aumento da violência no país tomou forma desde os primeiros meses do ano, com um incidente particular em Arauca, um departamento limítrofe da Venezuela, que até abril registrou pelo menos 146 homicídios e o deslocamento forçado de pelo menos 38 pessoas por dia, de acordo com dados da Defensoria do Povo.
Além disso, um relatório apresentado pela Missão de Observação Eleitoral (MOE), uma plataforma de organizações da sociedade civil, indica que pelo menos 131 municípios em quase todas as regiões apresentam algum nível de risco de fraude ou violência no contexto eleitoral, sendo Arauca uma das regiões de maior preocupação a esse respeito.
Por outro lado, os assassinatos de líderes sociais e defensores dos direitos humanos não cessaram no território. Até o presente ano, foram registrados pelo menos 59 assassinatos, entre estes 17 ex-combatentes que assinaram os Acordos de Paz. Além disso, houveram 36 massacres em todo o país, de acordo com números do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Paz (Indepaz).
O já alarmante contexto eleitoral foi agravado pela Greve Armada entre 4 e 8 de maio, que resultou em cerca de 24 homicídios, bem como a queima de cerca de 118 veículos para bloquear estradas, de acordo com dados da Unidade de Investigação e Acusação (UIA) da Jurisdição Especial para a Paz (JEP). O graffiti alusivo ao grupo armado Clã do Golfo (Autodefensas Gaitanistas) também foi visto em vários dos 178 municípios afetados.
O Brasil de Fato falou com dois especialistas sobre o assunto para entender o que significa a violência generalizada no país na reta final do processo eleitoral, com ameaças de morte aos candidatos presidenciais, e como ela pode afetar a democracia no país sul-americano.
Ameaças de morte contra um candidato presidencial – o que isso significa?
“Este é um país onde os senadores dos partidos de esquerda foram assassinados. Portanto, embora isto seja algo que não acontece há muito tempo contra candidatos presidenciais, vivemos num estado de alarme permanente, especialmente contra partidos e movimentos de oposição”, diz Alejandro Mantilla, pesquisador colombiano e membro do coletivo La Creciente.
Desde que a dupla do Pacto Histórico oficializou sua candidatura em março, tem havido constantes ameaças de grupos armados como os Águilas Negras e La Cordillera. Segundo os analistas, estes grupos têm suas origens no desmantelamento das Forças Unidas de Auto-Defesa da Colômbia (AUC), uma organização terrorista paramilitar de extrema direita que surgiu para combater guerrilhas como as FARC-EP, o ELN e outros dissidentes nos anos 90 até sua desmobilização em 2006.
“As ameaças […] refletem que um governo do Pacto Histórico estaria ameaçado com tentativas de desestabilização por parte do crime organizado e dos setores de extrema direita. Ou seja, estaríamos diante de um cenário em que seria muito difícil para eles manter a governabilidade se esses grupos se propusessem a sabotar o governo”, explica Mantilla.
O acadêmico ressalta que a alta probabilidade de uma opção alternativa como o Pacto Histórico vencer as eleições presidenciais se traduziria como perigo para esses grupos armados, os quais, não é segredo, mantêm vínculos com setores do Estado colombiano.
Assim, os atos de violência destinados a gerar algum tipo de instabilidade social ou medo no cenário eleitoral não devem ser banalizados. No país sul-americano, a história dos assassinatos neste contexto já custou a vida de candidatos que tentaram chegar à cadeira presidencial no passado.
“É preciso lembrar que na Colômbia nos anos 80, nas eleições para 1990, três candidatos presidenciais foram assassinados em questão de meses. Em agosto de 1989, Luis Carlos Galán foi assassinado. Alguns meses depois, foi Bernardo Jaramillo. Mais dois meses depois, Carlos Pizarro foi assassinado. Este era um momento de grande capacidade operacional, especialmente do Cartel de Medellín, que havia alcançado não só uma grande capacidade de ação militar, mas também de penetração nas agências de segurança do Estado. Então digamos que isto é algo que já aconteceu na história da Colômbia”, diz Mantilla.
Mais recentemente, alguns acordos, como a negociação do Plano Colômbia com os Estados Unidos, fortaleceram, segundo analistas, o aparato repressivo do Estado contra a sociedade, permitindo a expansão e diversificação de grupos paramilitares como Clã do Golfo, Los Rastrojos e Los Pachenca. Estes grupos, responsáveis pela reciclagem da violência com novos nomes e denominações, e pela criação do que muitos chamam de um neoparamilitarismo, não têm permitido à Colômbia fechar completamente sua história de violência.
“Se Petro vencer, a direita genocida, a oligarquia genocida […] fará todo o possível para impedir que ele desenvolva suas propostas de reforma em terra, saúde, educação, alimentação e questões ambientais, já que isto vai diretamente ao cerne do modelo que a oligarquia defende. Portanto, eles agirão com muita dureza. Certamente haverá greves empresariais e patronais contra o governo de Petro e de Francia”, diz Olimpo Cárdenas Delgado, defensor dos direitos humanos e membro do Congresso do Povo.
Assassinatos, massacres e ameaças aos líderes sociais e uma “greve armada”
As ameaças, principalmente a políticos e líderes sociais de esquerda, se intensificaram no primeiro trimestre do ano, especialmente em regiões como Arauca e os departamentos do Pacífico. Mas os atos de violência e assassinatos têm sido uma realidade que nunca cessa no país.
“Na Colômbia, a violência tem sido a norma e não a exceção”, sublinha Mantilla, apontando o conflito armado persistente, a repressão como instrumento de controle e o tráfico de drogas como catalisador tanto da repressão política quanto do conflito armado.
Segundo a Indepaz, mais de meia década após a assinatura dos Acordos de Paz, cerca de 1.287 líderes e defensores dos direitos humanos foram assassinados. Houve 302 massacres e 316 ex-combatentes que assinaram os Acordos foram mortos.
Um dos últimos assassinatos que chocou a ala progressista e os povos originários do país foi o do líder indígena Nasa Miller Correa, que fez campanha pelo Pacto Histórico na região do Valle del Cauca. O ato foi reivindicado pelos Águilas Negras.
“Continuamos a manter nossa palavra para limpar todos aqueles chamados líderes indígenas e sociais […] que apoiam o chamado Pacto Histórico”, dizia um comunicado do grupo armado.
Tanto Valle del Cauca quanto sua capital, Cali, foram regiões de grande importância durante a greve nacional ocorrida em 2021. A prolongada mobilização, sustentada principalmente pela juventude nas ruas, teve um impacto sobre os votos para a coalizão do Pacto Histórico nas últimas eleições legislativas de março, numa região que quase não tinha representação de partidos progressistas.
“Na Colômbia, nos últimos três anos, houve três revoltas sociais, a última quase uma revolta popular em 2021. Isto gerou o ressurgimento de um sujeito político muito mais crítico, o que coincide com uma violência excessiva desenvolvida por um governo que tenta extinguir o ressurgimento deste sujeito político com o genocídio”, diz Cárdenas.
E completa: “Há medo, há receio diante do crescimento deste movimento social e popular e deste sujeito político que se caracteriza principalmente pelos jovens, por um forte feminismo e pelos cenários urbanos de luta nas ruas”.
Por outro lado, a extradição para os Estados Unidos do líder máximo do Clã do Golfo (Autodefensas Gaitanistas), conhecido como Otoniel, foi suficiente para que o grupo paramilitar somasse uma greve armada à já frágil conjuntura eleitoral.
“O que é marcante nesta situação são duas coisas. Primeiro, sua grande capacidade operacional, ou seja, conseguiram paralisar várias regiões, incluindo cidades importantes como Montería e Sincelejo, e até mesmo realizar ações em Medellín. Digamos que hoje eles são o grupo armado ilegal com maior capacidade operacional na Colômbia. E a segunda coisa é que realmente não vimos nenhuma luta contra as forças de segurança; alguns até relataram que em alguns municípios de Magdalena houve ações conjuntas entre as forças de segurança e esses grupos paramilitares”, comenta Mantilla.
O grupo paramilitar impôs restrições ao comércio, à circulação de veículos nas estradas e à mobilidade em 10 departamentos, sendo Antioquia, Atlántico e Bolívar os mais afetados, de acordo com a Indepaz. Além de ter causado o confinamento da população de 74 comunidades.
“Hoje, tudo indica que um grupo como o Clã do Golfo ou as chamadas Autodefensas Gaitanistas têm mais capacidade operacional do que há alguns anos; hoje praticamente controlam o noroeste do país, incluindo as principais cidades”, observa Mantilla.
O que a situação na Colômbia nos diz sobre a América Latina e o Caribe?
“É claro que a exacerbação da violência na Colômbia sempre afetará a região e talvez agora isso possa ser um pouco mais complexo devido às últimas jogadas (flexibilização das sanções contra a Venezuela e Cuba) do governo dos EUA, que é realmente quem está no comando na Colômbia e na região”, explica Cárdenas.
De acordo com os entrevistados, o próximo presidente da Colômbia terá que lidar com questões como paramilitarismo, crime organizado e tráfico de drogas para fazer algum progresso em direção à paz. Para isso, serão necessárias mudanças estruturais bem como alianças regionais.
“Acredito que devido à posição da Colômbia na região, o debate sobre drogas ilícitas, o debate sobre a luta contra as drogas e o crime organizado geraria uma agenda fundamental, não só para os países andinos, mas também para a América Central. Pense no que está acontecendo na Guatemala, El Salvador ou Honduras com o poder adquirido pelo crime organizado. Ou a importância do tráfico de drogas mexicano na região. Portanto, se Gustavo Petro puder eventualmente liderar um debate regional sobre o que fazer em relação ao problema das drogas ilícitas, isso pode ser crucial para a região”, afirma Mantilla.
Edição: Raquel Setz