Photo by Peter Summers
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Na Conferência das Partes (COP26), que se reúne em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro próximo, os refletores apontam, essencialmente, para os anúncios e as promessas grandiloquentes dos governantes. Vozes críticas do movimento ambientalista repercutiram em Glasgow e em tantas outras cidades ao redor do mundo no sábado, 6 de novembro.

Em meio à primeira semana da Cúpula, er evidente a ansiedade dos Estados em apresentar resultados. Dois acordos, segundo eles “relevantes”, tomaram a primeira página dos jornais: o que promove um freio ao desmatamento global até 2030 e o relacionado à redução da emissão de gases de metano em 30%.

Até Bolsonaro assinou

A COP26 chegou a um novo acordo entre governos, incluindo o do Brasil, para parar e reverter o desmatamento até 2030. Em 1º de novembro, o Greenpeace Internacional, uma das ONGs mais ativas na defesa do meio ambiente, procurou colocar os pontos nos ‘is’ e questionou “a luz verde que se abre para mais uma década de destruição florestal”.

Há uma boa razão para até mesmo alguém como Bolsonaro se sentir confortável assinando esse novo acordo, ressaltou o Greenpeace. Permite-lhe mais uma década de destruição do pulmão do planeta. Carolina Pasquali, diretora executiva de sua filial brasileira, destacou que o novo Acordo –endossado por cem países que detém 85% das reservas florestais– não é vinculante, ou seja, não é obrigatório. Pasquali lembrou que a Amazônia já está confrontada com o limite de sua própria existência e não pode suportar mais desmatamento. Por sua vez, os povos indígenas da região exigem que 80% dessa reserva natural mundial seja verdadeiramente protegida até 2025.

Esse novo acordo substitui a Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, documento que o Brasil, na época, não assinou. A declaração de 2014 incluiu o compromisso dos governos de reduzir pela metade o desmatamento florestal até 2020 e alcançar o desmatamento zero até 2030.

No entanto, nos últimos sete anos, a taxa de perda de florestas naturais aumentou exponencialmente em vez de regredir. Somente em 2020, as emissões brasileiras de gases de efeito estufa aumentaram 9,5%, justamente como resultado da destruição da Amazônia, resultado de decisões deliberadas do governo Bolsonaro.

Na avaliação da gestão dessa administração brasileira, o Greenpeace alerta que vê poucas possibilidades de que o governo brasileiro respeite esse acordo firmado em Glasgow. E lembrou que Bolsonaro está tentando avançar com um pacote legislativo que aceleraria ainda mais o desmatamento florestal.

Outro aspecto essencial que o Greenpeace questiona é a falta de uma proposta para reduzir a demanda por carne e laticínios industriais. Esse setor tem um grande impacto nas emissões de gases de efeito estufa, pois acelera a destruição do ecossistema e de vastas reservas florestais.

Anna Jones, do Greenpeace do Reino Unido, disse que “Até que acabemos com a expansão da agricultura industrial, comecemos a adotar dietas baseadas em vegetais e reduzamos a quantidade de carne industrial e laticínios que consumimos, os direitos dos povos indígenas continuarão a ser ameaçados e a natureza continuará a ser destruída, em vez de ter a oportunidade de se recuperar”. Seu protesto coincide com o de outras vozes da sociedade civil internacional que, desde a COP26, alertam para o perigo potencial da proposta de “compensação de carbono”. Essa proposta, em suma, autorizaria um governo ou uma transnacional a desmatar maciçamente desde que assuma o compromisso de plantar árvores.

O conceito de compensação de carbono é radicalmente criticado pelo movimento ambientalista, como argumenta o estudo O Grande Golpe, publicado este ano pela Amigos da Terra Internacional, a Coalizão Global dos Bosques e a Campanha pela Responsabilidade Corporativa. Esse estudo denuncia a ideia de que um agente poluidor —por exemplo, as grandes transnacionais— possa “compensar” seu excesso de emissões apoiando projetos com impacto ambiental teoricamente positivo em outros lugares, geralmente países do sul. Está demonstrado que esse mecanismo não traz benefícios reais, diz o estudo. E conclui: os Grandes Poluidores impõem sua agenda “líquida zero” para atrasar, enganar e negar a ação climática.

Menos metano

Quase no início da COP26, os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram sua proposta de promover a redução das emissões globais de gás metano em 30% até 2030.

Inúmeras vozes ambientais responderam que o compromisso de redução do metano não deve esconder a necessidade essencial de uma redução dos combustíveis fósseis. Em outras palavras: a negociação de reduções não deve ser aceita quando isso implica uma redução em detrimento de outra. “Essa iniciativa sobre gás metano, com 28 vezes o potencial de aquecimento do CO2, deve ser o início e não o objetivo final”, enfatizou o Greenpeace.

A ONG lembrou ainda que, se queremos que o aumento da temperatura global permaneça abaixo de 1,5°C, é essencial reduzir drastica e simultaneamente todas as emissões, tanto de metano quanto de combustíveis fósseis. “Todos os caminhos apontam para a necessidade de eliminar combustíveis fósseis do nosso sistema energético e a carne industrial e os laticínios de nossas dietas o mais rápido possível”, afirmou.

A juventude ignorada

Os governos devem declarar Estado de Emergência climática. Devem reconhecer a catástrofe climática como uma crise a ser superada. Devem tomar medidas concretas em resposta a este drama e informar adequadamente a população.

Esse Estado de Emergência não deve ser entendido como um termo legal. “Nosso objetivo é que as ações de proteção climática sejam decididas de forma ambiciosa e urgente e sem restringir os direitos democráticos”. É assim que a Greve pelo Clima se posiciona (de acordo com extratos do documento da seção suíça), um dos movimentos internacionais mais ativos, questionadores e radicalizados em defesa do meio ambiente.

A Greve pelo Clima é patrocinada por grupos de jovens em muitos países. É a continuação das Quintas para o Futuro (Fridays for Future – FFF), que hoje conta com várias referências importantes, incluindo a jovem militante sueca Greta Thunberg. Na sexta-feira, 15 de março de 2019, foi convocada uma primeira greve internacional, que resultou em mobilizações de rua em mais de 2.000 cidades ao redor do mundo, com quase dois milhões de participantes. Pontapé inicial de uma presença constante que também agora se reúne na COP26, em Glasgow, com críticas frontais à liderança internacional por sua frouxidão e por adiar soluções substantivas para o planeta.

Além da declaração do Estado de Emergência Climática, esse movimento -com sua organização, existência e particularidades em cada país- exige a neutralidade neta das emissões de gases de efeito estufa até 2030.

E coloca na mesa para debate (ao mesmo tempo em que exige sua aceitação) o conceito de Justiça Climática. “As consequências do aquecimento global afetam terrivelmente os mais pobres, tanto local quanto globalmente. Portanto, a proteção climática também é uma questão global de justiça social”, enfatiza o pronunciamento da seção suíça.

Os grupos mais fracos da sociedade não devem sofrer pelo padrão de vida dos mais ricos. Além disso, as medidas para atingir as metas climáticas devem ser projetadas de tal forma que as pessoas material e economicamente desfavorecidas não sejam submetidas a cargas adicionais que não possam suportar. E exige que se aplique o princípio de que “quem contamina, paga”: os responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa e pela poluição devem ser responsabilizados. Eles devem prevenir os danos ou reparar aqueles que já ocorreram. As gerações futuras não devem ser afetadas pelas ações das antecessoras. A desigualdade não deve ser aumentada, mas reduzida, ressalta.

“Chega de blá-blá-blá. Pare a exploração dos povos, da natureza e do planeta. Pare o que eles estão a ponto de definir lá dentro. Já estamos cansados. Nós somos os que faremos a mudança; não a liderança que está reunida lá”, enfatizou Greta Thunberg em uma das manifestações paralelas que participou fora do centro de conferências, expressando assim as críticas diretas da Greve pelo Clima em relação à COP26.

 A voz dos sem voz aumenta a tensão

Durante a primeira semana da COP26, esta jovem sueca de apenas 18 anos protagonizou uma forte escaramuça que envolveu dezenas de representantes do movimento ambientalista.

Foi durante um evento organizado pelo Grupo de Trabalho sobre os Mercados Voluntários de Carbono, apoiado por empresas de combustíveis fósseis como Shell e BP, que busca expandir a compensação de carbono e sua agenda “líquida zero”. Mark Carney, ex-governador do Banco da Inglaterra, também participou.

Representantes de 20 povos indígenas da Rede Ambiental Indígena que não estavam autorizados a participar desse evento organizaram uma manifestação fora do centro de conferências, exibindo cartazes com cópias de um anúncio de página inteira que haviam publicado nos jornais FT e Times, sob o título “A Compensação de Carbono está nos desgastando”.

Paralelamente, no recinto onde o Grupo de Trabalho se reunia, e apesar de que nesse tipo de cúpulas todos os tipos de protestos são proibidos, líderes de ONGs de prestígio que estavam credenciadas levantaram faixas denunciando os mecanismos perversos que, em suma, não contribuem para a redução das emissões, mas para livrar a cara dos grandes responsáveis por elas.

Ecoando as inúmeras vozes que estão denunciando o conceito de “compensação de carbono” em Glasgow, Greta Thunberg, que também participou do evento, tuitou uma mensagem denunciando: “Esse Grupo de Trabalho e outros esquemas semelhantes são golpes que poderiam arruinar o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C”. Ao sair do evento, declarou: “Chega de lavagem verde”, uma forma contundente de denunciar as fórmulas propostas por multinacionais e por certos países ricos para burlar a obrigação de uma redução drástica das emissões de gases de efeito estufa.

Nos últimos dias, Glasgow ficou inflamada como o mesmo clima planetário. A cúpula institucional tenta vender suas conquistas e “avanços”. Enquanto isso, os sem voz climática, os jovens na rua, o movimento ambientalista, aqueles que já perderam a paciência, aceitam a luta: a de protesto, denúncia e mobilização coletiva e cidadã. E cerca de 100.000 manifestantes tomaram as ruas da cidade escocesa para fazer seu protesto ser ouvido. Paralelamente, de Sydney a Paris, do México a Londres, bem como em tantas outras cidades ao redor do mundo, os protestos se multiplicaram, com a certeza de que, nessa luta desigual de Davi contra Golias, é cada vez mais difícil ignorar a voz dos “de baixo”, o grito de resistência ambiental.

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