Rufino Tamayo
"Animales". Rufino Tamayo, 1941

O Império nega sua própria existência. Não existe como império, mas apenas como benevolência, com a missão de difundir os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável em todo o mundo. No entanto, essa perspectiva não significa nada em Havana nem em Caracas, onde “direitos humanos” passou a significar mudança de regime e onde “desenvolvimento sustentável” passou a significar o estrangulamento de seu povo por meio de sanções e bloqueios. É do ponto de vista das vítimas do império que vem a clareza.

O presidente dos EUA, Joe Biden, sediará a Cúpula das Américas em junho, onde espera aprofundar a hegemonia de Washington sobre as Américas. O governo dos Estados Unidos entende que seu projeto de hegemonia enfrenta uma crise existencial causada pelas fragilidades do sistema político e da economia  estadunidenses, com recursos limitados disponíveis para investimentos em seu próprio país, quanto mais no resto do mundo. Ao mesmo tempo, a hegemonia dos EUA enfrenta um sério desafio da China, cuja Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) tem sido vista em grande parte da América Latina e do Caribe como uma alternativa à agenda de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em vez de trabalhar junto com os investimentos chineses, os EUA estão ansiosos para usar qualquer meio para impedir que a China se envolva com países das Américas. Nesse eixo, os EUA revitalizaram a Doutrina Monroe. Essa política, que completará dois séculos no ano que vem, afirma que as Américas são o domínio dos Estados Unidos, sua “esfera de influência” e seu “quintal” (embora Biden tenha tentado ser fofo chamando a região de “Jardim da frente”).

“A hegemonia dos EUA enfrenta um sério desafio da China, cuja Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) tem sido vista em grande parte da América Latina e do Caribe como uma alternativa à agenda de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI)”

Junto com a Assembleia Internacional dos Povos, desenvolvemos um alerta vermelho sobre dois instrumentos do poder estadunidense – a Organização dos Estados Americanos e a Cúpula das Américas – bem como o desafio que os EUA enfrentam ao tentar impor sua hegemonia na região. O alerta vermelho é apresentado abaixo e está disponível aqui como PDF. Leia, discuta e compartilhe.

O que é a Organização dos Estados Americanos?

A Organização dos Estados Americanos (OEA) foi formada em Bogotá, Colômbia, em 1948, pelos Estados Unidos e seus aliados. Embora a Carta da OEA invoque a retórica do multilateralismo e da cooperação, a organização tem sido usada como ferramenta para lutar contra o comunismo no hemisfério e para impor uma agenda dos Estados Unidos aos países do continente. Aproximadamente metade dos fundos para a OEA e 80% dos fundos para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um órgão autônomo da OEA, vêm dos EUA. Vale notar que – apesar de fornecer a maior parte de seu orçamento – os EUA não ratificaram nenhum dos tratados da CIDH.

A OEA mostrou suas verdadeiras cores após a Revolução Cubana (1959). Em 1962, em uma reunião em Punta del Este (Uruguai), Cuba – membro fundador da OEA – foi expulsa da organização. A declaração da reunião afirmou que “os princípios do comunismo são incompatíveis com os princípios do sistema interamericano”. Em resposta, Fidel Castro chamou a OEA de “Ministério das Colônias dos EUA”.

A OEA criou a Comissão Consultiva Especial sobre Segurança Contra a Ação Subversiva do Comunismo Internacional em 1962, com o propósito de permitir que as elites das Américas – lideradas pelos EUA – usem todos os meios possíveis contra os movimentos populares da classe trabalhadora e do campesinato. A OEA deu cobertura diplomática e política à Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA, pois participou da derrubada de governos que tentaram exercer sua soberania legítima – soberania que a Carta da OEA supostamente garante. Esse exercício foi desde a expulsão de Cuba pela OEA em 1962, a orquestração de golpes em Honduras (2009) e na Bolívia (2019), as repetidas tentativas de derrubar os governos da Nicarágua e Venezuela e a contínua interferência no Haiti.

“A OEA criou a Comissão Consultiva Especial sobre Segurança Contra a Ação Subversiva do Comunismo Internacional em 1962, com o propósito de permitir que as elites das Américas usem todos os meios possíveis contra os movimentos populares da classe trabalhadora e do campesinato”

Desde 1962, a OEA atua abertamente ao lado do governo dos EUA para sancionar países sem uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que torna essas punições ilegais. Tem, portanto, violado regularmente o “princípio de não interferência” de sua própria carta, que proíbe “força armada, mas também qualquer outra forma de ingerência ou tentativa de ameaça contra a personalidade do Estado ou contra seus interesses políticos, econômicos e elementos culturais” (capítulo 1, artigo 2, seção b; e capítulo 4, artigo 19).

O que é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)?

A Venezuela, liderada pelo presidente Hugo Chávez, iniciou um processo no início dos anos 2000 para construir novas instituições regionais fora do controle dos EUA. Três grandes plataformas foram construídas nesse período: 1) a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba); 2) a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), ambas em 2004; e 3) a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em 2010. Essas plataformas estabeleceram conexões intergovernamentais nas Américas, incluindo cúpulas sobre assuntos de importância regional e instituições técnicas para melhorar o comércio e as interações culturais além-fronteiras. Cada uma dessas plataformas enfrentou ameaças dos Estados Unidos. À medida que os governos da região oscilam politicamente, seu compromisso com essas plataformas ou aumentou (quanto mais à esquerda estão) ou diminuiu (quanto mais subordinados aos Estados Unidos se encontram).

Na 6ª Cúpula da Celac na Cidade do México, em 2021, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, sugeriu que a OEA seja dissolvida e que a Celac ajude a construir uma organização multilateral na escala da União Europeia para resolver conflitos regionais, construir parcerias comerciais e promover a unidade das Américas.

O que é a Cúpula das Américas?

Com a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os Estados Unidos tentaram dominar o mundo usando seu poder militar para disciplinar qualquer Estado que não aceitasse sua hegemonia (como no Panamá, em 1989, e no Iraque, em 1991) e institucionalizando seu poder econômico por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1994. Os Estados Unidos convocaram os Estados membros da OEA a Miami para a primeira Cúpula das Américas em 1994, que foi posteriormente entregue à OEA para administrar. Desde então, a cúpula se reúne a cada poucos anos para “discutir questões políticas comuns, afirmar valores compartilhados e comprometer-se com ações combinadas em nível nacional e regional”.

Apesar de seu domínio sobre a OEA, os EUA nunca conseguiram impor plenamente sua agenda nessas cúpulas. Na terceira cúpula na cidade de Quebec (2001) e na quarta em Mar del Plata (2005), os movimentos populares realizaram grandes protestos; em Mar del Plata, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, liderou uma manifestação massiva, que resultou no colapso do acordo das Áreas de Livre Comércio das Américas (Alca) imposto pelos EUA. A quinta e sexta cúpulas de Port of Spain (2009) e Cartagena (2012) tornaram-se um campo de batalha para o debate sobre o bloqueio dos EUA a Cuba e sua expulsão da OEA. Devido à imensa pressão dos Estados membros da OEA, Cuba foi convidada para a sétima e oitava cúpulas na Cidade do Panamá (2015) e Lima (2018), contra a vontade dos Estados Unidos.

“Em Mar del Plata, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, liderou uma manifestação massiva, que resultou no colapso do acordo das Áreas de Livre Comércio das Américas (Alca) imposto pelos EUA”

No entanto, os Estados Unidos não convidaram Cuba, Nicarágua ou Venezuela para a próxima cúpula, a nona, a ser realizada em Los Angeles em junho de 2022. Vários países – incluindo Bolívia e México – disseram que não participarão da reunião a menos que todos os 35 países das Américas estejam presentes. De 8 a 10 de junho, várias organizações progressistas realizarão uma Cúpula dos Povos para se opor à cúpula da OEA e amplificar as vozes de todos os povos das Américas.

Em 2010, o poeta Derek Walcott (1930–2017) publicou “The Lost Empire” [O império perdido], uma celebração do Caribe e de sua própria ilha, Santa Lúcia, em particular quando o imperialismo britânico recuou. Walcott cresceu com a asfixia econômica e cultural imposta pelo colonialismo, a feiúra de se sentir inferior e a miséria da pobreza que o acompanhava. Anos depois, refletindo sobre o júbilo da retirada do domínio britânico, Walcott escreveu:

E então de repente não havia mais Império.
Suas vitórias viraram ar, seus domínios, poeira:
Birmânia, Canadá, Egito, África, Índia, Sudão.
O mapa que havia vazado sua mancha na camisa de um estudante
como tinta vermelha num mata-borrão, batalhas, longos cercos.
Dhows e faluas, estações de montanha, postos avançados, bandeiras
flutuando no crepúsculo, sua égide dourada
saiu com o sol, o último brilho de um grande rochedo,
Com sikhs de turbante e olhos de tigre, flâmulas do Raj
para uma corneta soluçando.

O sol está se pondo no imperialismo à medida que emergimos lenta e delicadamente em um mundo que busca igualdade significativa em vez de subordinação. “Este pequeno lugar”, escreve Walcott sobre Santa Lúcia, “não produz nada além de beleza”. Isso seria verdade para o mundo inteiro se pudéssemos ir além de nossa longa e moderna história de batalhas e cercos, navios de guerra e armas nucleares.


 

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