lula mst
Foto: Ricardo Stuckert

João Paulo Rodrigues é dirigente do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e faz parte da equipe que acompanha por parte do movimento na coordenação da campanha presidencial do Lula.

Perante os desafios para os próximos meses e convidado na mesa de conjuntura do Encontro “Batalla Comunicacional en Nuestramérica”, organizado pela ALBA Movimentos e a Assembleia Internacional dos Povos (AIP), o militante da Direção Nacional do MST desenvolve os fatos e processos que demarcam a atualidade política no Brasil.

Os últimos dez anos

A primeira questão, é que o campo popular da esquerda este ano pode celebrar o nosso melhor momento dos últimos dez anos junto à sociedade. Isso para nós é um fato muito bom.

Desde 2010 que nós vivemos um período muito difícil para a luta de classe brasileira e em especial, para o conjunto da militância social como um todo. A última grande vitória política eleitoral que nós tivemos foi na cidade de São Paulo com a eleição do Fernando Haddad, como prefeito no ano de 2012.

Lula ja tinha saído da Presidência da República. Depois disso, nós vamos ter um fato no Brasil que a comparação não é o melhor nome, mas vocês vão lembrar que foi uma espécie de uma Primavera Árabe em 2013. Um grande levante popular que ninguém nunca conseguiu explicar até hoje a magnitude do tamanho daquilo. Mas o certo é que a direita acumulou muito mais do que a esquerda em aquele grande processo de luta, ou melhor, de mobilização popular. Nós brincamos que ali abriu a porta do inferno, as principais organizações de massa ou organizações de rua, do fascismo e da direita. MBL por exemplo, nasce aqui.

Depois disso, a vida foi ficando difícil. Elegemos a presidente Dilma numa situação difícil. Dois anos depois tivemos um golpe. Um ano depois tivemos a prisão do Lula e depois perdemos para o Bolsonaro. Vejam a sequência de derrotas com muitas dificuldades do ponto de vista de conquistas para a classe, deviamos ter enfrentamentos e ao mesmo tempo ter conquistas políticas mínimas que pudéssemos avançar.

E quando a gente começa a levantar o nariz ou melhorar a situação política, aparece a pandemia. E nós cuidadosamente voltamos para casa. Todo mundo entra, todos nós numa sala de zoom por dois anos. Nesse periodo o Bolsonarismo vai para a rua e cresce, durante a pandemia, ou ao menos faz os seus grandes movimentos de massa no Brasil para defender a pauta deles, e porque eles não tiveram compromisso com o isolamento social.

Quando a gente pensa nas eleições brasileiras hoje tem um histórico de oito anos na situação brasileira, que é preciso levar em consideração para pensar fotografia da realidade, pensar o que fazer no próximo período. E com isso é que nós temos a tranquilidade de dizer que nós estamos no melhor momento.

João Paulo Rodrigues da Direção Nacional do MST – Foto: MST

Tres questões particulares do momento

Por uma parte nós conseguimos com muito esforço, numa situação dificílima tirar o Lula da prisão e tirar ele da situação de inelegível e se voltar para a cena política como um dos nossos principais líderes do mundo no Brasil e disputar uma eleição, aos 77 anos de idade e ao mesmo tempo, com a mesma referência.

Isso não é um assunto simples, não é pouca coisa para nossa situação. Então essa é a primeira grande questão e isso foi muita luta, foi uma conquista com muita confusão, muitos comitês muita pressão internacional. A solidariedade dos países da América Latina foi fundamental. E erros da parte deles também, cometeram muitos erros. Mas foi fruto de muita luta.

A segunda grande questão relevante foi que nós, como esquerda no Brasil, com toda a debilidade, conseguimos acertar talvez nos últimos dois anos, em duas coisas: Primeiro foi manter a unidade de todo o campo progressista e com uma esquerda difícil de lidar. Mas conseguimos manter a campanha Fora Bolsonaro, e a campanha Lula Livre todo o campo, estou falando de pelo menos de 260 organizações do movimento sindical, do movimento popular e de partido, que se unificou em duas grandes campanhas.

Fizemos ainda algum movimento de massa importante. Chamaria atenção para isso: primeiro a unidade, segundo o movimento de massa, e o terceiro foi o cuidado na pandemia. Eu acho que aquilo foi um elemento muito simbólico no Brasil, que nos deu uma autoridade junto aos pobres, com campanhas de solidariedade, no cuidado da saúde que nos deu uma credibilidade.

O que dá mais prejuízo político eleitoral com Bolsonaro, é como ele se comportou na pandemia no Brasil. Para quem está fora, não tem muita dimensão da loucura que esse homem fez aqui no Brasil. Estamos falando de 700.000 mortes.

Não é uma situação simples. Eles cometeram um erro significativo e nós conseguimos acertar nessa situação.

“É muito difícil ainda dizer que tipo de governo nós vamos ter no Brasil. Numa situação de golpe como essa, eu acredito que nós podemos ter até um governo Lula mais politizado do que foram os outros”

As alianças do Bolsonaro

Então chegamos até aqui neste nosso melhor momento. E agora, o que fazer diante disso? Do lado de lá, como é que eles devem se comportar nesses próximos 90 dias?

O Bolsonaro tem utilizado uma metodologia ou um mecanismo de fazer o acúmulo de força a partir de um tripé que, na nossa opinião, ele vai conseguir terminar o mandato e vai tocar a vida, que é uma aliança muito organizada que ele fez.

Primeiro com o grande capital internacional. Ou seja, o Bolsonaro assumiu na América Latina a agenda mais avançada do neoliberalismo. Privatização do que é possível, grandes acordos com as transnacionais. O Brasil voltou a ser uma empresa de vendas das commodities, mineração, agronegócio e toda aliança possível voltada para os norteamericanos.

Ou seja, a cartilha neoliberal antiga nem atualizou. E isso fez com que ele, fizer aliança com o que nós chamamos aqui no Brasil, o capital financeiro, os bancos que é meia dúzia, e com a elite internacional brasileira, que não tem compromisso nenhum com a situação brasileira.

A segunda grande aliança do Bolsonaro foi com as Forças Armadas brasileiras e a praia dele e ele fez cabelo e barba, como dizemos aqui no Brasil. É uma aliança mesmo com toda a área de segurança pública que tem no Brasil, com a parte ideológica de quem gosta disso.

E aí ele criou um outro componente novo no Brasil, que foi com quem gosta de arma, que porte de arma. Vocês imaginam que o Bolsonaro liberou no seu governo aproximadamente 1 milhão de porte de arma, ou seja, tem 1 milhão de pessoas armadas no Brasil Novo.

Para a população brasileira, isso é pouca gente. Agora, se tratando de grupos que querem fazer enfrentamento, é um problema para nós administrar. É mais ou menos por dia 1000 novos brasileiros têm porte de arma. É uma situação delicada que nós vamos lidar no próximo período.

Essa é a lógica do Bolsonaro. Uma arma de fogo é uma situação delicada e, por fim, uma aliança dele com o setor conservador do Congresso Nacional, que ele chama de centrão no nosso Parlamento, é construir uma maioria absoluta ou quase absoluta a um custo muito alto de dinheiro que permite ele fazer muitas manobras.

Então, com que Bolsonaro trabalha hoje? Com a maioria no Congresso, Forças Armadas e economia internacional. Para o resto, ele não dá bola. Nada. Nada mais. Sociedade. Cultura. Juristas. Supremo Federal. Justiça? Nada. O resto esquece. Essa é a linha de frente.

E aqui ele chegou. A situação do Bolsonaro é muito difícil, porque a sua base baixou muito e o principal motivo é por causa da crise na economia. Vocês imaginam o Brasil que nós estamos com a situação de aproximadamente 130 milhões de brasileiros numa situação de miséria. Esse número é um número muito assustador, 130 milhões.

Isso muda o cenário brasileiro: a situação de fome que nós vamos viver para o período. E isso é o que tem mudado a conjuntura. Na nossa avaliação, não dá tempo de resolver até as eleições. Por isso que é o componente principal para que nós podamos ganhar a eleição. Não dá tempo hábil resolver o problema da fome, não ter alimento, não tem política pública, não tem mecanismo técnico para resolver o problema da fome é muito, muito grande o tamanho da confusão para resolver.

Os limites a superar no período que vem

Diante o cenário atual há várias opiniões. Uma voz diz que é melhor deixar o Lula quieto porque as eleições já estão ganhas. Quanto menos confusão houver, melhor para a gente. O Lula viajar pouco, falar pouco, cuidar da segurança do Lula. E deu. E muita gente está pensando assim. Isso não é fácil. E quem está com 20% à frente? Vamos ganhar parado.

Uma outra posição se coloca na ideia de que o Bolsonaro é muito perigoso, tem apoio dos americanos; é melhor fazer uma grande aliança, rebaixar ao máximo o programa para nós não correr o risco de perder as eleições.

E para isso vamos abraçar todo mundo e fazer uma eleição ampla, amplíssima, porque nós estamos numa situação de golpe e com isso não brincamos. Pode ser uma opinião um pouco exagerada, mas também tem um fundo de verdade, porque perder as eleições do Brasil para o Bolsonaro é uma crise que a esquerda vai enfrentar por um bom tempo. Então não vamos brincar de faz de conta.

E tem um terceiro grupo, que é mais ou menos nós dos movimentos que diz o seguinte: tá bom. As duas posições são verdadeiras, mas nós temos que ganhar fazendo as tarefas clássicas de casa, que são basicamente três que estão por fazer.

A organização popular, que está fraca, COVID nos afastou muito das massas. A crise do movimento sindical brasileiro não é pequena e a falta de conquistas econômicas, nos desgraçou a vida, e estamos mais frágeis do ponto de vista organizativo.

Portanto, para nós ganhar e governar, nós temos essa carência para resolver. Tarefa uma.

Tarefa dois é a disputa ideológica na sociedade. Nós fomos derrotados em 2018 pelo Bolsonaro na disputa ideológica e nós não recuperamos isso até hoje, porque é uma combinação da cultura misturada com a comunicação e, ao mesmo tempo, ter um discurso da esperança de que esse governo vai ser diferente dos outros. E qual é o projeto que nós queremos que vá mudar a vida das pessoas? Estou falando de 220 milhões de brasileiros, 30% evangélicos. Situação difícil. Não é simples lidar com isso. Essa disputa ideológica tem que ser feita.

E a terceira tarefa é nós ganhar lutando na briga. Mas com quantos vão fazer briga durante as eleições? Então, essas tarefas do nosso lado na pré-campanha, que ainda estão frágeis, nós não conseguimos fazer o que nós deveríamos ter feito até agora.

Ainda faltam quatro meses, mas há uma animação coletiva e um cuidado para dosar o tempo, ao mesmo tempo que falta muito para a campanha. Por isso temos que se cuidar, mas falta pouco, o seja é difícil lidar com isso.

Para nós dos movimentos, a primeira etapa é ganhar as eleições. É muito difícil ainda dizer que tipo de governo nós vamos ter no Brasil. Numa situação de golpe como essa, eu acredito que nós podemos ter até um governo Lula mais politizado do que foram os outros. Mas eu acho muito difícil ele ser melhor para a classe trabalhadora do ponto de vista econômico do que foram os outros, porque uma situação muito trágica que vai encontrar esse governo nos próximos três, quatro anos. Essa impressão que tenho, olhando de longe.

Eu não acredito que nós vamos construir um Congresso Nacional que vai dar uma maioria para Lula. Isso vai dificultar muito. Mas só de nós não temos impeachment. Já é uma tranquilidade para ter quatro anos de governo e restaurar a nossa condição de fazer eleição.

Mas volto a dizer, infelizmente, depois do golpe no Brasil, a tática da esquerda brasileira se transformou em três táticas: ganhar a eleição com Lula, dois ganhar a eleição com Lula e três ganhar a eleição com Lula. Não há outra. Pode ser que voltamos a falar em novembro de 1 outra tática. Por agora, nós não temos outra tática política que saia estratégia nesse primeiro momento.


 

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