Ressalta-se a necessidade estratégica de se manter as unidades de fertilizantes nitrogenados funcionando, com independência e soberania.

Neste momento em que a guerra da Rússia contra a Ucrânia/OTAN, gera a possibilidade de ausência dos fertilizantes russos nos mercados mundial e brasileiro, cabe uma reflexão, um histórico e um resgate das principais lutas feitas até então para que o Brasil fosse soberano na produção desse insumo para a produção agrícola.

 

Uma série de políticas privatizantes, negligentes e antinacionais foram impulsionadas desde os anos 90, até chegar à política desastrosa que o país enfrenta hoje, de unidades produtoras de fertilizantes (Fafens) abandonadas ou privatizadas. O que a mídia empresarial não relata e tampouco explica.

 

Inclusive, a negligência de um governo neofascista com orientação neoliberal impediu que as unidades da Fafen abandonadas estivessem, durante o período de pandemia, produzindo cilindros de gás de oxigênio urgentes em estados como o Amazonas, uma vez que teriam essa possibilidade – o que apenas contribuiu com mais mortes.

 

No geral, o Brasil é responsável por 8% do consumo mundial de fertilizantes, sendo o quarto do mundo, importando 80% do fertilizante total consumido.

 

Dos três elementos essenciais para a composição do insumo estão os macronutrientes primários: nitrogênio (N), potássio (K) e fosfato (P) -, e o primeiro trata-se do único no qual o Brasil poderia ter independência na produção.

 

Hoje, porém, o Brasil importa quase 75% dos fertilizantes nitrogenados necessários para atender a demanda interna, além de importar 90% de potássio e 24% de fosfato, assim como 98% de nitrato de amônio, os dois últimos justamente da Rússia.

 

Cabe ressaltar que o potássio e fósforo não constam em abundância na geologia territorial brasileira, sequer se for seguido o discurso delirante do governo Bolsonaro de recorrer às áreas de reserva da Amazônia, o que seria um ataque às comunidades indígenas e destruição ambiental. Além disso, ambos os elementos são dominados no mercado mundial pelas empresas Agrium (Canadá), Yara (Noruega), Mosaic Company (EUA), que dominam 21% do mercado global.

 

Histórico de luta dos trabalhadores contra a privatização

 

Fazendo uma retomada do histórico da principal empresa produtora de Fertilizantes, a Ultrafértil, vale lembrar que foi privatizada em 1993, quando pertencia ao sistema Petrobras. O consórcio chamado Fertifós dominou as misturadoras até 2009, com as transnacionais Yara (Noruega), Bunge e Cargill (EUA).

 

Em meados de 2008, saltaram os preços da ureia e, consequentemente, dos fertilizantes no mercado internacional. Naquele ano, havia sido formado, no Paraná, o “Comitê Em Defesa dos Pequenos Agricultores”, que reunia uma combativa rede de apoio de sindicatos e organizações populares, entre as quais o MST, a Consulta Popular, a Assembleia Popular, em defesa da produção nacional, contra as privatizações no setor, organizando atos e audiências públicas.

 

Mais tarde, a Ultrafértil passou então para o controle acionário da Vale, compradora de 78,9% do capital da empresa. Ao passar a unidade para a mineradora brasileira, o período foi marcado por ataques trabalhistas e práticas antissindicais. Assim como em outros países, caso de Moçambique, na África, a Vale coagiu sindicalistas e tentou quebrar um sindicato e uma categoria petroquímica com histórico de luta.  

 

Já transferida de volta para o controle da Petrobras, em 2016, porém, após o golpe contra Dilma, a Petrobras, comandada por Temer e presidida por Pedro Parente, decide sair da área de Fertilizantes Nitrogenados. Mais tarde, em 2019, as unidades de Sergipe e Bahia são privatizadas.

 

Capacidade produtiva ociosa

 

Os erros estratégicos foram se acumulando por décadas, desde a privatização, e se aceleraram com o governo Bolsonaro, o que é apontado até mesmo por estudo, de 2020, da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE-PR) do próprio governo federal.  

 

Curiosamente, no ano desse mesmo estudo, que recomendava retomar a produção nacional diante do aumento dos preços no mercado mundial, e da crescente demanda por fertilizantes, Bolsonaro fechou a fábrica da Fafen, em Araucária, na região metropolitana de Curitiba, colocando na rua, num espaço de menos de um mês, cerca de mil operários qualificados e mais centenas de terceirizados.

 

É fato que o fertilizante nitrogenado poderia ser produzido, uma vez que há oferta de petróleo e gás, só falta iniciativa de o governo investir. Há força de trabalho capacitada, mercado, experiências e uma empresa estatal que já desenvolveu essa produção.

 

Se hoje as três unidades (Sergipe, Bahia e Paraná) estivessem funcionando no sistema Petrobras, conciliando com a conclusão de novos projetos no Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, o Brasil teria autonomia na área de fertilizantes nitrogenados.

 

Mas, no sentido contrário, a Petrobras transmitiu formalmente a posse das unidades da Bahia e de Sergipe das Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados (Fafens) para a Unigel, petroquímica brasileira, fundada em 1966, com atividades também no México.  

 

Durante 20 anos na iniciativa privada, o setor de fertilizantes não investiu no momento de produção para suprir as demandas internas. Somente a Petrobras, por meio da modernização das unidades, teve esta orientação.

 

Retomar o controle da produção nacional

 

Portanto, ressalta-se a necessidade estratégica de se manter as unidades de fertilizantes nitrogenados funcionando, com independência e soberania. Esta deve ser uma medida de primeira hora de um possível governo Lula.

 

Os trabalhadores petroquímicos realizaram greves históricas pelo direito à produção nacional, acessível aos pequenos agricultores, e para que suas condições de trabalho fossem respeitadas. Em 2008, pela redução do preço da ureia para pequenos agricultores, e em 2015, contra a privatização da Petrobras, com pauta política e com apoio de várias organizações da classe trabalhadora.

 

O governo agora toma medidas tardias, caso do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF). Mas o que seria urgente é a recuperação das unidades de produção. O que é de interesse dos trabalhadores e dos produtores nacionais.

 

REFERÊNCIAS:

 

GHISI, Ednubia. Resistência Petroquímica. 30 anos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Petroquímica do Paraná. Curitiba, 2016, Sindiquímica.

Estudo: Produção Nacional  de Fertilizantes, Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, junho de 2020.

 

Gerson Castellano é diretor de Comunicação da Federação Única dos Petroleiros.

Pedro Carrano é jornalista e militante da organização Consulta Popular