As consecuências geopolíticas e econômicas da guerra e seu impato no Brasil.

A guerra Russo-Ucraniana e o conjunto de medidas de sanções econômicas contra Moscou vão afetar a capacidade da economia brasileira assim como demais países do planeta. A Europa, por exemplo, é muito dependente do gás natural russo. Este país é responsável também por cerca de 10% do petróleo e derivados produzidos na Terra. Junto com a Ucrânia, formam as maiores safras de trigo do mundo, grão que compõe o padrão alimentar de milhões de brasileiros, brasileiras e latino-americanos, algo que seria inconcebível se não fosse o processo de invasão europeia em nosso continente e o genocídio – em vidas e formações culturais – que seguimos vivendo. O país governado por Kiev também é grande produtor de milho, e em especial o Não Transgênico, garantindo aporte para produções específicas (como para o mercado chinês e a cadeia de valor cervejeira).

 

Todos esses mercados são atingidos por fatores de dominação estruturante, tais como: a pressão dos países produtores (através de suas políticas agrícola, fiscal, aduaneira e monetária); a ausência ou presença de indústrias e capacidade de transformação nacional (ao contrário da ladainha neoliberal, a indústria ainda é muito importante para as economias nacionais); pressão de especuladores em índices de mercados de contratos futuros (como através dos índices do barril de petróleo, Brent e WTI, ou a jogatina de contratos agrícolas na Bolsa de Chicago); pelo fator dólar como moeda transacional mundial (como meio de pagamento e fator de troca, o dólar tem ainda um privilégio exorbitante diante de outras moedas) e, não menos importante, pelo sistema de trocas e transferências interbancárias, o Swift, sob governança ocidental e de fato, obedecendo direto a Washington.

 

Qualquer conflito direto ou indireto e o emprego da economia como arma de guerra, afeta os territórios econômicos e quanto mais frágeis e dependentes forem os países, maiores as possibilidades de aumento da pobreza, pressão inflacionária e escassez de produtos.

 

As fragilidades da economia brasileira diante do conflito

 

Dentro das relações comerciais com a Rússia, o grande problema é a importação de fertilizantes. O Brasil comprou da Rússia em 2021 o montante de US$ 3,5 bilhões de fertilizantes; isso equivale a 62% da balança comercial com esse país. De 2020 para 2021 as importações de insumos químicos junto a Moscou cresceram 10%.

 

Segundo a mesma fonte citada acima, os principais produtos russos vendidos para nosso país são: Adubos ou fertilizantes químicos (62%) / Carvão (8,4%) / Óleos combustíveis de petróleo (7,6%) / Produtos semiacabados, lingotes (6,5%) / Demais produtos – Indústria de transformação (4,5%) / Alumínio (2,5%) / Prata, platina e outros metais do grupo da platina (2,4%) / Produtos laminados planos de ferro ou aço (2,1%) / Borrachas sintéticas (1,2%) / Preparações e cereais de farinha (1,2%).

 

Como o bloqueio também atinge ao aliado estratégico da Rússia no leste europeu, o acesso de produtos bielorrussos fica também sob as mais restritas sanções.

 

Segundo o embaixador de Belarus, “seu país foi obrigado a suspender as vendas de fertilizantes para o agronegócio brasileiro porque o escoamento foi proibido pela Lituânia, que fechou as fronteiras”.

 

Ainda na mesma fonte, 20% de todos os fertilizantes utilizados no Brasil vêm de Belarus. Nos últimos anos, não por acaso após 2016, o preço dos insumos da agricultura de escala encareceram 155%, o que pode implicar uma escalada inflacionária ainda maior, tanto no consumo externo como nos preços internacionais de commodities.

 

 Outro fator importante é a safra ucraniana, que pode estar completamente comprometida para 2022. Segundo Canal Rural:

 

“A Ucrânia já exportou 42,5 milhões de toneladas de grãos desde o início da temporada 2021/22. O volume é 37,4% superior ao mesmo período da safra anterior. Segundo o ministério da agricultura do país, o total inclui 17,85 milhões de toneladas de trigo, 5,57 milhões de toneladas de cevada e 18,68 milhões de toneladas de milho. Em 2021, a Ucrânia colheu 84 milhões de toneladas de grãos, contra 65 milhões um ano antes”.

 

A Rússia e a Ucrânia são responsáveis por 30% do comércio mundial de trigo. Com a ofensiva militar russa em território ucraniano e as sanções contra o governo de Moscou, a disparada especulativa deste grão já é percebida. O Brasil importa 60% do trigo que consome e no consumo de massas, pães e derivados, nosso padrão alimentar fica dependente desta importação. Ao não termos um espaço de trocas privilegiadas dentro do Mercosul, com ao menos uma moeda aduaneira e relações de complementaridade com países vizinhos produtores – como a Argentina – nossas trocas ficam dolarizadas e a mercê de eventos fora do controle da economia nacional e também alvo de especuladores em pressões de alta para contratos futuros.

 

Segundo a mesma fonte citada acima: “A Bolsa de Chicago fechou o setor responsável pela negociação do trigo por conta do aumento de preços nos últimos dias. A Rússia é o principal produtor global de trigo e a Ucrânia é o quarto. O preço da saca do trigo, 27,2 quilos, chegou a R$ 47,7 (US$ 9,26) na quinta-feira 24/02.”

 

O Brasil está longe em ser autossuficiente naquilo que produz para ser, como gosta de afirmar, um dos maiores produtores de alimentos do planeta. Produzimos aqui seis milhões de toneladas de fertilizantes e intermediários, total seis vezes menor do que o país consome por média anual. Compramos mais de 35 milhões e 600 mil toneladas, o fertilizante usado no Brasil é 80% importado, e obviamente vai sofrer ataque especulativo e escalada inflacionária.

 

Um país dependente nas suas cadeias de valor estratégicas

 

Uma parcela importante do complexo de óleo e gás e polos petroquímicos estavam organizados com alto grau de nacionalização em todas as partes da cadeia desde a década de ’70. Após o primeiro grande choque do petróleo, como resposta da guerra da entidade sionista contra países árabes e o povo palestino, a ditadura militar fez um uma opção estratégica, intensificada no governo Geisel. A ideia já vinha do primeiro período pós-2ª Guerra e tinha como premissa a autossuficiência na exploração, refino e transformação de combustível fóssil assim como avanço em biocombustível e química fina.

 

Na era da socialdemocracia à frente do Poder Executivo, esses fatores foram ampliados, incluindo a participação de transnacionais sem direitos de perfuração no Pré-Sal e a escolha por um capitalismo familiar nacional, como na montagem dos grupos de “campeões nacionais”. Após o golpe com apelido de impeachment, derrubando um governo eleito que sequer era de esquerda, o Departamento de Estado dos EUA e os colonizados do Brasil disseram que preferiam a dependência e a extrema pobreza a uma presença soberana, altiva e independente no Sistema Internacional. Poucos meses depois os preços da Petrobrás começaram a ser ajustados segundo os especuladores do petróleo (Brent e WTI) e a especulação cambial (segundo a valorização do dólar).

 

Para uma elite que afirma todo o tempo “o agro é tech, o agro é pop”, o Brasil carece de produção de fertilizante, de exploração de fosfato e simplesmente os estudos de solos agriculturáveis no país não passam de 15%. A invasão lusitana em Pindorama jamais sobreviveria se não aprendessem a domar a mandioca, a roça de aipim e macaxeira. No século XXI, o padrão de dependência, subordinação e ignorância segue o mesmo.

 

Com planejamento econômico, desenvolvimento e pesquisa e a escolha pela agricultura ecológica nos tornariam mais fortes no setor primário. Com soberania e controle nacional sobre o complexo óleo e gás, não ficaríamos tão frágeis diante deste conflito assim como dos demais que estão por vir.