Manifestantes tomam as ruas em respaldo à denúncia de ecocídio feita pelo presidente Pedro Castillo, propondo a recuperação do controle soberano do patrimônio entregue ao estrangeiro.

O Ministério do Meio Ambiente do Peru (Minam) anunciou nesta segunda-feira (21) a imediata suspensão de todas as atividades de carga e descarga de petroleiros no terminal submarino da Repsol em La Pampilla, refinaria onde ocorreu um criminoso vazamento de mais de dez mil barris de petróleo bruto no dia 15 de janeiro.

 

Segundo apurou o Minam, o derramamento atingiu até o momento 100 quilômetros das costas peruanas, com a mancha de óleo cobrindo aproximadamente 12 quilômetros entre o mar e as praias, obrigando a região a entrar em “emergência ambiental” por pelo menos três meses.

 

A irresponsabilidade da transnacional com a imensidão do impacto, ao agir de forma completamente irresponsável na falta de cuidados, investimentos e manutenção, compromete a fauna e a flora aquáticas, aves marinhas, água, solo e sedimentos, no que foi qualificado pelo presidente Pedro Castillo como ecocídio.

 

Em apoio ao governo, uma gigantesca marcha nas ruas de Lima congregou militantes, simpatizantes e aliados do Partido Peru Livre, de Castillo, que ergueram vozes, faixas e cartazes pela nacionalização da empresa, e em repúdio à “ação assassina da multinacional”. “Quando La Pampilla estava nas mãos do Estado, nunca poluiu com níveis de catástrofe ecológica. Para salvaguardar a vida, o governo deve recuperar o controle soberano da refinaria, ou seja, renacionalizá-la”, sublinhou o secretário-geral do Partido, Vladimir Cerrón, para quem a expropriação representaria um “ato histórico de dignidade nacional”.

 

Membro da direção nacional do Partido e secretário de Organização em Lima, Yuri Castro, sustentou que “há uma compreensão generalizada na sociedade de que esta não é a crise de uma empresa, mas de um sistema. Está claro que o dano não é só ambiental, mas para milhares de famílias que sobrevivem dali”. “A lógica atual está voltada para alavancar lucros ao grande capital, principalmente estrangeiro, enquanto mantém o país na camisa de força do atraso e da dependência. É hora de retomar o que é nosso”, enfatizou.

 

Daí, esclareceu Yuri Castro, a necessidade de garantir uma Assembleia Constituinte, “uma vez que a atual Constituição do Peru tem uma concepção neoliberal, criada pela ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000) para presentear as empresas transnacionais com recursos que são de todos”.

 

A Repsol e sua sucessão de mentiras

 

Inicialmente o cartel hispano-americano tentou minimizar o acontecido, admitindo a perda de apenas 0,16 barris (cerca de 25 litros), para logo depois, frente ao escândalo das imagens, declararem às autoridades que eram 6.000 barris (mais de 953.923 litros). À medida que a tragédia vinha à tona e as comunidades denunciavam a proporção do crime ocorrido, já na última sexta-feira (28) a Repsol reconheceu que haviam sido 10.396 barris (1,65 milhão de litros). As terríveis proporções da contaminação davam razão ao governo, que antes mesmo dos novos números já havia qualificado o acontecimento como “o pior desastre ecológico de Lima” dos últimos anos.

 

“A informação sobre o verdadeiro número de barris de petróleo derramados em Ventanilla ratifica o ecocídio e revela a falta de transparência da Repsol”, ressaltou o Ministério de Relações Exteriores, antecipando no sábado (29) que seria anunciada uma “sanção drástica”. O fato, revelou a chancelaria, é que a transnacional agiu de “forma provavelmente dolosa” e também “não deu a certeza de que pode lidar com um novo vazamento” em La Pampilla, a maior refinaria do país, que processa diariamente cerca de 120.000 barris.

 

Diante da magnitude do problema, técnicos e cientistas, com o respaldo de milhares de manifestantes, têm exigido que o consórcio transnacional traga imediatamente ao Peru a tecnologia mais avançada possível para a limpeza do mar, da mesma forma como fazem em outras partes do mundo.

 

O fato, comunicou o ministro do Meio Ambiente, Rubén Ramírez, é que não foram feitas sequer ações claras de limpeza e descontaminação, e que enquanto as praias não forem devidamente tratadas, seguirão impróprias para o banho, “representando um grave risco à saúde”. Além da paralisação das atividades da refinaria, serão aplicadas multas e sanções de dezenas de milhões de dólares ao Estado e à população prejudicada. “O Ministério do Meio Ambiente não hesitará em cumprir seu papel de zelador fiel de nossos ecossistemas naturais e do nosso glorioso mar de Grau”, frisou.

 

Vinculada ao Ministério da Saúde, a Direção Geral de Saúde Ambiental e Segurança Alimentar (Digesa) reiterou que dezenas de praias na costa central foram afetadas pelo derramamento, o que trará grandes prejuízos para cerca de seis mil pescadores e centenas de famílias de comerciantes que tiram dali seu sustento.

 

“Nós, trabalhadores da praia, sofremos durante a pandemia, queríamos retomar as atividades, pedimos empréstimos para trabalhar neste verão, mas veja o que a Repsol nos fez: arruinou nossos empregos”, declarou um comerciante, protestando ao lado de vendedores de guarda-sóis, comida e sorvetes, entre outros ambulantes. A dramática situação econômica fez com que esses trabalhadores estejam reivindicando um bônus para conseguir sobreviver.

 

Desastre continua se espalhando

 

“O desastre ambiental continuou se espalhando, contaminando a água e a areia de 24 praias. Além disso, foram relatados danos em duas reservas naturais: a Zona Reservada de Ancón e as Ilhas de Pescadores, onde vivem espécies como o pinguim de Humboldt e a lontra marinha, protegidas por lei”, relatou a Digesa.

 

O informe apresentado pelo Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (Sernanp) comprovou que o petróleo derramado segue com a corrente em direção norte, afetando diversos ecossistemas.

 

Depois de inspecionar a praia de Calvero, em Ventanilla, no domingo (30), o chefe da Reserva Nacional das Ilhas Guaneras, Ilhéus e Pontas, Oscar García, declarou ser um “desastre ecológico irreparável”. O especialista alertou que “estas áreas protegidas são locais de bancos naturais (de peixes e mariscos). Se esses resíduos de óleo chegarem ao fundo do mar, serão contaminados e mais espécies serão perdidas”.

 

A Agência de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) denunciou que a Repsol não cumpriu sequer os prazos da primeira série de medidas necessárias para limpar o caos que causou, o que indica que a multinacional deve ter ampliada a multa de US$ 56 milhões. “A medida objetiva prevenir a ocorrência de situações de emergência que não possam ser controladas pela empresa no menor tempo possível, a fim de evitar a degradação ambiental ou danos aos componentes ambientais”, ponderou.

 

Até o momento, a multinacional não havia cumprido pelo menos quatro ações que deveria ter realizado: a contenção e recuperação de hidrocarbonetos em áreas protegidas nacionais (dia 24): identificação de áreas danificadas por óleo (25); a contenção e recuperação de petróleo bruto (25) e a contenção e recuperação do segundo derramamento de óleo, ocorrido em 25 de janeiro (28).

 

Frente ao significado da tragédia e suas implicações, o diretor-executivo da Repsol no Peru, Jaime Martínez-Cuesta, foi impedido de deixar o país por 18 meses junto com outros três gerentes e funcionários da multinacional.

 

Para a Repsol, tratou-se de uma decisão “desproporcional e desarrazoada”.